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Uma esperança perdida me trouxe de volta a capacidade de sonhar

Atualizado: 2 de out. de 2019


A arte é a chave para que as emoções aflorem. E entre todas as suas expressões, é a música a que mais rapidamente me toca e inspira.


Amo colecionar músicas e tenho algumas playlists que uso em momentos que pedem inspirações específicas, das mais agitadas às mais românticas.


Uma destas playlists em especial tem sido minha maior fonte de emoções contraditórias às vezes, mas que unidas trazem um sentido coerente. Músicas diversas de pessoas diferentes com suas distintas expressões do amor e da vida, compondo a incrível representação humana, pessoa a pessoa, estilo a estilo, cada uma com sua genuína personalidade, todas inegavelmente humanas, amantes, amadas, felizes ou sofridas.


Entre muitas estrelas dessa minha constelação pessoal aqui convivem Aznavour e Pearl Jam, Bowie e Alcione, Adoniram e Beatles, Elvis e Piazzola, Piaf e Almir Sater, Stevie Wonder e Benito de Paula, Antonio Marcos e Johnny Cash, Radiohead e Zé Ramalho, Oasis e Nara Leão, Yo-Yo Ma e Chet Baker, Dylan e Tim Maia, além de muitos outros mais.


A única coisa que faz sentido nesta playlist é a minha afeição por estes artistas e várias de suas maravilhosas canções. Quando parto para minhas caminhadas e ouço esta playlist tocando aleatoriamente vou sendo bombardeado por visões distintas, ritmos diferentes, emoções complementares às minhas próprias e todas elas combinadas vão gerando coisas novas, visões alternativas, possibilidades tantas.


Emoções transportam lembranças que vão se misturando com visões de futuros possíveis ou desejáveis, novas e antigas personagens de minha história se misturando em papéis trocados, sonhados, desejados ou renegados.


Ah como amo a vida louca das emoções despertas pelo impacto que a arte traz! E como invejo a capacidade celestial de tantos artistas que fazem outros sonhar seus sonhos, sofrer suas dores e gozar seus prazeres!


Arte é vida. E vida merece trilha sonora.


Hoje um trecho de “Esperanças Perdidas” tocou mais fundo. Esta gravação antiga dos Originais do Samba traz uma lição preciosa:



“Quantas belezas deixadas nos cantos da vida Que ninguém quer e nem mesmo procura encontrar E quantos sonhos se tornam esperanças perdidas Que alguém deixou morrer sem nem mesmo tentar”




Depois destas frases impactantes o autor segue cantando que encontra a sua beleza no samba que faz, consolando sua tristeza com a cadência dentro do peito.


Quantos sonhos terei deixado pelos cantos? Muitos, reconheço.


Que esperanças deixei morrer sem nem mesmo tentar? Inúmeras certamente.


Atravessei há pouco um longo período sem sequer ousar sonhar. Mais de um ano, quase dois. Transformações em minha vida acarretaram muitas perdas, levando praticamente tudo com o que havia sonhado, conquistado e realizado ao longo da vida adulta.


Tantas perdas e fracassos causaram muito mais do que tristezas e prejuízos: acabaram por matar em mim a capacidade de sonhar. Tudo passou a ser inatingível.


Sonhar passou a ser incoerente. Para que sonhar? Para que ceder às ilusões? Nem sonhos de fuga ousei ter. A única fuga que me permitia era namorar com o fim de tudo, na esperança cega de que o outro lado pudesse ser menos dolorido.


Abandonei as belezas deixadas nos cantos de uma vida que perdia o sentido. Sonhos que nem ousavam ser sonhados, mortos antes de nascer.


Meu coração se transformara em pedra. Emoções anestesiadas, sentidas apenas em ínfimas doses, sem permissão para tomarem corpo no meu corpo. Afinal, a dor mata sonhos antes mesmo de serem gerados, é o anticoncepcional perfeito para evitar a fecundação de qualquer sonho que ouse embrionar uma nova esperança.


Inesperadamente há alguns dias um sonho se impôs, tão poderoso quanto surpreendente. Simplesmente desprezou a petrificação de meu coração e o liquefez instantaneamente. As emoções passaram então a escorrer, invadindo meu corpo e quase me afogando. Percebi que havia desaprendido a nadar nesse turbilhão.


Aos poucos recuperei o fôlego. Por fim, o sonho que me levou aos céus acabou por se mostrar um tanto inalcançável, mais uma de minhas esperanças perdidas. Mas este sonho ambicioso teve o poder de me abrir novamente a porta da percepção por algo a mais na vida. Além do concreto e dos boletos, além do fracasso e dos pequenos sucessos eventuais, além do desamor e da solidão.


Sou grato ao que me permitiu sonhar. Uma profunda gratidão e reconhecimento à presença inesperada e despretensiosa em minha vida que simplesmente jogou minhas defesas por terra. Todo efeito tem sua causa, mas a causa muitas vezes não ousa imaginar o efeito que gera.


Abdiquei de buscar qualquer mínima possibilidade de realizar esse sonho e deliberadamente optei pela esperança perdida. Quem me lê pode considerar covardia, que seja, mas decidi que esse sonho platônico é incomparavelmente melhor do que uma realidade que se mostre distante, surpresa e indiferente à sua realização.


Mesmo ainda encantado, abro mão desse sonho em nome de todos os outros que agora terão condições de nascer. Essa “esperança perdida” me fez ter esperanças novamente. E só e tanto por isso lhe serei eternamente agradecido.



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