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Ousando viver no mundo pós-fronteiras

Atualizado: 22 de out. de 2019



Livre para meus devaneios a partir dos eventos e percepções registrados em meus últimos textos, praticamente capítulos de um diário sobre minha fase de mudanças, imagino agora viver no “mundo pós–este que está aqui”.


Um mundo sem fronteiras, sem barreiras, sem preconceitos e discriminações. Todas estas limitações que são criações humanas, algumas que até ousam aparentar uma certa lógica embora na verdade não tenham nenhuma, como as divisas entre países.


Fronteiras que servem para nos separar do outro, daquele que julgamos diferente. A outra tribo, o outro povo, a outra nação, o outro gênero. Fronteiras entre países, separações entre religiões, entre classes sociais, entre tons de pele, entre gêneros, entre gerações.


Tudo o que separa diminui.


Essa frase é uma das premissas que trago como verdade desde moleque, martelando na minha cabeça sempre que cedo à uma destas divisões artificiais ou as percebo definindo existências e modos de viver.


Toda divisão entre pessoas é uma abstração. Não adianta pensar que não, pois é. Mergulhe na essência biológica, intelectual ou espiritual de qualquer pessoa em qualquer parte deste planeta e sempre teremos a mesma coisa, a mesma essência, a mesma raiz da criação ou da evolução, seja qual for a sua crença a respeito.


Todos somos imperfeitos à busca da perfeição, na ética e na estética, em busca do sentido e da completude.


Juntos somos humanidade e separados somos apenas uma sua fração. Humanidade que em seu âmago não tem cor, gênero, nacionalidade, religião, classe social, nem qualquer outra abstração que sirva para classificar bons e maus, dignos e indignos, capazes e incapazes, livres e escravos, dominantes e submissos.



Somente o poeta juntou as ruínas de um mundo desfeito e de novo o fez uno. Deu fé da beleza nova, peregrina, e, embora celebrando a própria má sina, purificou, infinitas, as ruínas:
assim o aniquilador tornou-se mundo.
R.M. Rilke “Baudelaire”


Reconheço a necessidade, legitimidade e dignidade de todos os esforços afirmativos que lutam contra a discriminação. Muitas vezes questiono a forma como estas ações ocorrem, nunca a sua necessidade ou intenção. Lamento que muitas vezes estes esforços acabem por provocar novas rupturas e separações criando mais barreiras artificiais, como se para elevar um lado forçoso fosse abaixar o outro, provocando conflitos e ainda maior distanciamento entre partes que não existiriam sem o todo.


Sou de uma família de mulheres guerreiras. Presencio a luta de todas elas, cada uma com suas próprias batalhas: mãe, tias, irmãs, esposa, filhas, cunhada, sobrinhas. Em cada uma destas lutas vejo a determinação contra o preconceito de gênero, percebo situações vexatórias que só mulheres enfrentam, vejo abusos e problemas que nunca enfrentei por ser homem.


Isso vale para o racismo, para a homofobia, para o preconceito entre as religiões. Como homem, branco, classe média, heterossexual e cristão, não sofri nada de preconceito na vida. Como tenho 52 anos posso dizer que sofri um tantinho de preconceito recente por ser maduro para um mercado de trabalho que praticamente só valoriza a juventude. Mas a minha dose é até ridícula, mal posso acusar algo ou alguém. Apenas pude sentir uma mínima porção de como qualquer preconceito é injusto.


Quando vejo algo similar acontecendo às minhas filhas apenas por serem mulheres aí sim sinto uma dor na alma que não tem tamanho. E sei que existem muitas mulheres em situações muito mais terríveis. Minhas filhas me ensinam muito sobre a luta de ser mulher neste mundo louco.


Reconheço que vivi em uma bolha enquanto construía minha carreira. Nunca tive preconceitos em relação a nada que citei, sempre tive equipes diversas em que idade, gênero, cor da pele, sexualidade, religião e classe social nunca foram definidoras de nada. Tive muita sorte em trabalhar em empresas assim e na minha própria empresa vivi tranquilamente preocupado apenas com a experiência, competência, resultados e postura profissional de todos os colegas e colaboradores.


Mas o mundo não é assim.


Vejo muitos esforços das pessoas contra essas barreiras e como disse os considero legítimos e necessários. Mas ouso imaginar e quero viver em um mundo pós-separações. Talvez seja preciso que algumas pessoas já estejam habitando este novo mundo com suas mentes e corações para que ele possa começar a ser construído desde já e possa guiar os esforços para a união, não para segmentações com exigências de afirmações de igualdade a cada subgrupo.


Insisto nesse ponto, não critico ou menosprezo os esforços de busca de igualdade. Em uma comparação um tanto simplória, penso que existam muitos cientistas hoje pensando em como fazer a viagem até Marte. Mas muitos outros precisam pensar no que vamos fazer lá quando chegarmos. É mais ou menos isso, muitos lutam por essa igualdade e eu ouso pensar (ou poetizar) em como será a vida nesse mundo justo que perseguimos com afinco.




Um mundo de pontes e não de muros circundando áreas com equivalência de direitos e oportunidades artificialmente impostas. Pontes que unam os direitos entre todos, com oportunidades que sejam para todos. Que tais pontes conectem nossas mentes, corações e espíritos.


De certa forma eu já estou perambulando por lá. Sinto as dores do mundo injusto de hoje mas vejo as cores e percebo os aromas do mundo que se aproxima, o “mundo pós–este que está aqui"


Quero ajudar a criar condições para que este mundo se torne real, como se eu fosse um engenheiro de pontes. Mas antes mesmo de saber como erguê-las é preciso imaginá-las unindo as margens de um rio. Imaginar as pontes é tarefa para quem com elas sonha e descrever este sonho em palavras inspiradoras a quem consiga construí-las é a missão daquele que escreve. Esta é a minha parte nessa empreitada, afinal.


Tenho muitos amigos que acompanham meus textos e lutam suas duras batalhas diariamente. Não cedam amigos! Mas preservem alguns momentos de sonho e vamos juntos na construção do futuro sem restrições, fronteiras e barreiras.


Esse mundo que há de vir é belo pela diversidade e pelo respeito consolidando as relações.

Belo pelo amor ao próximo conectando uns e outras e outros e umas e assim vai, pessoa a pessoa, coração a coração, mente a mente, espírito a espírito, até que a dimensão humana prevaleça sobre nacionalidades, racionalidades e irracionalidades. Que sejamos um só povo, pois todos temos as nossas imperfeições, somos irmanados por elas, e pela nossa essência, pelo Deus que habita em nós.

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