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Indignação comunitária



O distanciamento talvez me permita perceber melhor o caos do Brasil. Acho que muito se explica pela existência ou não de um senso de comunidade. É o que dá liga à sociedade, o que traz a sensação de pertencimento e que em suma seria a base do conceito de nação.


A comunidade se faz pelos laços criados entre as pessoas mas também por referências dadas por seus expoentes. Um pequeno grupo cria laços fortes por todos se conhecerem mas grandes comunidades dependem das referências de pessoas que se destacam de alguma forma para fortalecer a sua coesão. Essa obrigação é parte da responsabilidade dos líderes, mas outras pessoas também se tornam referencias e influências de uma sociedade, como artistas, intelectuais, esportistas.


Porém não existem apenas bons exemplos. Malandros, bandidos e corruptos também influenciam uma comunidade, para o bem ou para o mal, como exemplo do que não se fazer ou como referência de caminhos desonestos aos de má índole. Caberia às instituições coibir os atos dos desonestos, retirá-los da vida em comum e, sobretudo, anular as suas más influencias com uma visão efetiva de justiça, comprovando que o crime não compensa e reforçando que o mal causado por um traz malefício à todos de uma comunidade. Referências negativas deveriam ser invalidadas desde a origem.


Ansiamos por pertencer e só poderemos nos sentir bem se tivermos uma percepção de pertencimento a uma comunidade que seja um espelho de nossos princípios e valores. Pertencer é se identificar com aquilo a que julgamos fazer parte, e através da vida em comum se sentir abraçado por valores maiores do que a soma dos indivíduos de um mesmo grupo.


Como os sinais positivos e negativos da matemática, se meus valores positivos encontram ecos nos valores positivos da minha comunidade a soma é positiva. Se os sinais se contradizem, teremos conflitos de um lado com o outro, o que será negativo. Porém, se meus valores negativos encontrarem eco nos valores negativos da comunidade, o resultado não será positivo, contrariando a matemática de que menos com menos dá mais. Na vida em sociedade, menos com menos dá pior.


Anos de exploração e descaso deixaram a sociedade brasileira com valores tortos e princípios distorcidos. Pessoas de má índole ocupam inúmeras posições relevantes e as instituições de forma geral confundem mais do que alinham, defendendo interesses de subgrupos frente ao bem comum. Como se a comunidade fosse só “eles” e todos os “nós” restantes fôssemos apenas massa de manobra necessária a pagar impostos e entregar nossos votos em tempos eleitorais.


Mas vai além disso. É triste ver pessoas essencialmente boas adotando posturas questionáveis, buscando privilégios e adotando comportamentos escusos, comuns à uma sociedade distorcida, mas que não passam nos crivos mais rigorosos da boa moral. Algo pode ser legal e ao mesmo tempo imoral. E nesse caso o egoísmo sempre prevalece, infelizmente. Falta senso de comunidade e sobretudo falta altruísmo, palavra em desuso por retratar um comportamento praticamente extinto no país.


Como em tudo na vida, não existe preto ou branco, mas milhares de tons acinzentados entre o bem e o mal. Pessoas más são capazes de bondades e vice versa, e ninguém é inteiramente bom ou mal. Esse texto não pretende firmar a posição do preto ou do branco, mas discutir porque no Brasil os tons de cinza são sempre tão escuros.


A vida de imigrante me possibilita o afastamento necessário para questionar a minha própria experiência de ser brasileiro. Ou de não ser. Sempre me senti deslocado e não pertencente uma comunidade que preza tantas coisas que desprezo ou que despreza tantas coisas que a mim são fundamentais. Antigamente minhas curtas viagens a outras realidades me estimulavam a pensar que eu poderia viver em qualquer outro pais do mundo, pois era fácil encontrar pontos de semelhança e identidade. Mas foi preciso viver realmente fora do Brasil para perceber com propriedade como não me encaixo naquilo que o pais é.


Quem vive a vida corporativa sabe como é ruim trabalhar em um ambiente tóxico, com regras de conduta e posturas inadequadas e como isso vai minando a saúde mental e física, cobrando um elevado preço emocional. O ambiente ruim nos adoece. Isso se aplica a uma empresa, a uma comunidade, a uma sociedade.




Não se trata apenas dos juízes e governantes atuais, mas de todo um processo histórico de jeitinhos e conchavos, de impunidades e maus exemplos. Todo um sistema feito para impedir roubos de galinhas através da desconfiança estrutural e cartorial sobre qualquer cidadão enquanto rios de dinheiro são desviados à luz do dia nos esquemas impuníveis dos grandes fdp.


Eu não me sentia parte disso e assumo a vergonha de ser brasileiro. Podem me julgar à vontade. Estou muito longe de ser exemplo de qualquer coisa ou referência positiva para alguém, mas da mesma forma estou longe de ser bandido, corrupto ou safado como tantos. Assumo meus próprios tons de cinza e quero apenas fazer o meu trabalho, ter algum patrimônio e viver com dignidade. Mas que dignidade é possível em um pais onde andar na rua com um celular nas mãos é motivo para ser assassinado?


Eu não percebia o quanto havia sido roubado na minha dignidade de cidadão até viver fora do Brasil. Eu não tinha ideia de como era tratado como um capacho, de como era humilhado diariamente a cada direito ou na tentativa de honrar os meus deveres. Eu não havia percebido como o pais em que nasci me tratava como um lixo humano, apenas necessário porque voto e pago impostos. Nunca fui definido como cidadão, apenas como contribuinte e eleitor.


Respeito quem acredita na possibilidade de um pais melhor e ainda luta. Mas percebi que para mim não seria possível melhorar ou seguir lutando. Os tropeços que tive na vida, de minha total responsabilidade, levaram-me a uma situação sem volta, pois tal lixo humano só é válido enquanto submetido ao sistema e dele fazendo parte. A vida toda tentei viver segundo os princípios e valores que recebi de meus pais, recusando-me a esquemas e jeitinhos. Mas o sistema não permite. Basta uma bobeada e ele te pega, te amarra e quer te induzir a erros que considero inaceitáveis.


Eu não aceitei os esquemas necessários para viver através de farsas formais e então percebi que a única saída possível era o aeroporto, para começar do zero em outro lugar.

Alguns podem pensar que como desisti do Brasil não tenho o direito de criticá-lo e isso pode mesmo ser verdade. Mas se faço criticas é porque ainda me importo. Estoicismo não é comigo e se ainda me preocupo é pelas inúmeras pessoas que gosto que vivem por aí.


Recomeçar nunca é fácil. Nestes tempos então, nem se fale. Vim em busca de condições para viver uma vida digna e dignidade foi a primeira coisa que encontrei aqui. Uma sociedade imperfeita como todas, mas onde princípios e valores me são familiares. Aqui desonestos são tratados como merecem e quando descobertos sentem vergonha (sublinhado e negrito absolutamente necessários). Bandidos são reconhecidos como bandidos e infelizmente também existe corrupção, entretanto combatida com investigações e punições efetivas.




Toda comunidade é e será imperfeita, pois seres humanos são falhos. Orgulho, mesquinharia, ganância e maldade fazem parte da nossa natureza tanto quanto a bondade, a honestidade e a generosidade. Só Jesus esteve livre do pecado e até por isso trouxe sobre si toda a maldade. A sociedade precisa estar estruturada sobre a consolidação das virtudes e a condenação dos pecados. Isso não é uma visão religiosa, é apenas a constatação de como a interdependência humana baseada no respeito nos trouxe a uma vida de progressos e bem estar.


A grande maioria das pessoas é boa e honesta e é só por isso que chegamos até aqui. Mas isso não impede que sociedades adoeçam e morram. Pão e circo não salvaram Roma e os loucos de lá aceleraram a sua queda. O Brasil de hoje segue pelo caminho da extinção, primeiro moral e depois cívica. Só resiste ainda pelas pessoas sérias que carregam o pais (e os desonestos) nas costas.


O que fazer? Sinceramente ando descrente. A única coisa que considero possível e digna é elevar a régua, adotar comportamentos mais e mais baseados no altruísmo e menos nos interesses pessoais, mesmo que ainda legalizados. É minha responsabilidade fazer isso como exemplo às pessoas à minha volta e quem sabe um dia isso contagie e se espalhe.



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